domingo, 23 de outubro de 2011

Recrutado na porta, repórter do 'Estado' vira fiscal do Enem


 Jornalista pega fila, é chamado para trabalhar em vaga de profissional ausente e recebe treinamento duas horas antes do início do exame

23 de outubro de 2011 | 1h 17
Paulo Saldaña - O Estado de S. Paulo
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Interessados em trabalhar como fiscal fazem fila em frente a local de prova - Keiny Andrade/AE
Keiny Andrade/AE
Interessados em trabalhar como fiscal fazem fila em frente a local de prova
   Apesar de o Ministério da Educação afirmar que o Enem tem uma equipe de fiscais cadastrados e previamente treinados, a realização do  primeiro dia do exame contou com “voluntários” escolhidos sem critério, na porta do local do exame.
    Pelo menos foi assim na manhã deste sábado na Unip da Água Funda, zona oeste de São Paulo, onde cerca de 30 pessoas foram selecionadas em uma repescagem em que o  único critério foi apresentar o documento original de identificação. Eu fui um dos que, com RG na mão, entrei na fila e garanti uma vaga para a fiscalização.  No local, havia 8 mil candidatos inscritos. 
    Por volta de 8 horas as portas da universidade já estavam cheias. Muitos estavam lá a pedido de amigos, primos, tias e conhecidos que trabalhariam  ou trabalharam na organização da prova. Elas receberam e-mail com recomendações sobre horários e tipo de vestuário: camisa branca e, caso estivesse frio, agasalho branco ou preto - o que pouca gente respeitou.
  Primeiro entrou quem já tinha nome para a fiscalização. Quase meia hora depois, os organizadores da unidade voltaram para a portaria e recrutaram os não  cadastrados e desconhecidos.
   Um segurança anotou nomes e documentos. Alguns diziam que haviam tentado se cadastrar sem obter sucesso. Para mim, só perguntaram se eu tinha o  nome na lista. Disse que não e fui prontamente contratado. Por cada dia de trabalho, os fiscais recebem R$ 65, além de alimentação com suco, mini goiabada e um salgado de presunto e queijo - muito criticado ontem na Unip.
  Fomos levados às pressas para o anfiteatro, onde o treinamento já havia começado. Faltavam menos de duas horas para a abertura dos portões e centenas de  fiscais deveriam dominar como aplicar a prova. 
   No palco, uma coordenadora detalhou como se portar em caso de cola, o que é ou não é permitido na sala, na mesa, embaixo da cadeira, a cor da caneta. Depois  da palestra, respondeu a dúvidas e mostrou um filme com orientações sobre os procedimentos de entrega das provas, com informações como onde assinar os cadernos, o que orientar ao inscrito, como distribuir as provas. Apesar da qualidade do vídeo, via ao meu lado rostos de dúvidas tão agudas quanto as  minhas. Era de fato muita informação. 
Embriagados
  Antes de indicar quem seriam os responsáveis por cada sala, a palestrante fez uma advertência importante. “Pessoal,  já chegaram cinco fiscais embriagados. Se tiver alguém que foi para balada, que não está bem, por favor avise.”
  Muitos dos chamados não apareceram e assim que todos os pré-selecionados presentes tomaram seus postos, a coordenadora apontou uma pessoa da primeira  fileira. Perguntou se ela tinha experiência em aplicação de concursos ou vestibulares. A mulher disse que não e, questionado, eu também confirmei minha  inexperiência. A coordenadora fez mais duas tentativas, voltou a me apontar e disse “vai você. Sala 563, bloco B”. Parti.
   A 563B tinha 76 inscritos, por isso eram três fiscais - apenas 49 fizeram o exame. Ali, apenas um dos três havia atuado em edições anteriores. Eu e outra  fiscal nunca havíamos atuado em provas.
Desorganização
  Pouco antes do meio dia, horário da abertura dos portões, havia salas com carteiras amontoadas - em uma delas,  duas mulheres estavam desesperadas para organizar tudo. Alguns fiscais, também debutantes, ainda não entendiam bem se os candidatos deveriam assinar a lista  de presença ao chegar ou ao sair. E se a lista ficava na porta ou na mesa no centro da sala.
  Depois começou a busca pelo giz para as orientações na lousa. Conseguimos um pequeno pedaço azul. A guerra seguinte foi para conseguir uma caneta - ao longo  da prova, é necessário preencher uma série de informações sobre o exame. Revezamos uma única caneta com duas salas.
  Assim que os inscritos começaram a entrar, um candidato surge com um RG xerocado. Recorro ao coordenador do corredor, que autoriza sua participação caso o  papel seja confiável. Coube a mim a decisão e ele fez o exame. O manual com as instruções previa um toque de sirene para o início das provas. O sino tocou e  ainda estávamos distribuindo os cadernos. Ninguém consultado pela reportagem naquele corredor assinou o Termo de Compromisso sobre confidencialidade e  frequência, o que, em tese, seria obrigatório. 
Organizadora do exame diz que outros fiscais eram experientes
  A Cesgranrio - integrante do consórcio que realiza o Enem - não comentou o recrutamento de fiscais na porta da unidade de prova. Questionada pelo Estado, afirmou apenas que “diante da abstenção de fiscais previamente capacitados”, o repórter foi destacado para atuar em uma das salas.
  Em nota, a instituição cita que o jornalista teria respondido a uma entrevista - o que não ocorreu. Afirma ainda que o repórter atuou “acompanhado de dois outros fiscais experientes de outros processos de avaliação”. A informação também não é correta, uma vez que uma das companheiras da sala 563B não tinha nenhuma experiência.
  A instituição finalizou a nota afirmando: “A Cesgranrio considera o trabalho de Paulo Saldaña (na prova) satisfatório.”
Declaração
  Na semana passada, a presidente do Inep, Malvina Tuttman, disse que só fiscais treinados atuariam nas salas.
PARA LEMBRAR
Preparação ocorreu ontem
   Conforme o Estado publicou nesta semana, os responsáveis por aplicar provas e fiscalizar candidatos no Enem receberiam “treinamento específico” hoje, poucas horas antes do início da prova. O Inep negou, afirmando que todos os envolvidos receberam preparação prévia. Além disso, a dois dias do início do exame, surgiram informações desencontradas sobre a logística. Coordenadores de aplicação de diferentes locais do Brasil relataram três versões de como as provas sairiam da guarda do Exército, onde estavam protegidas, e chegariam às escolas para a aplicação. O Inep negou as divergências no processo.
Fonte: Estadão.com.br/Educação

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